terça-feira, 24 de março de 2015

O primeiro Pessach sem Ela...








Quase dois meses após a morte da minha mãe, comecei os preparativos para o Pessach. Foi de leve, com uma atividade bastante básica na cozinha, na verdade, o pré do preparo final de uma guarnição para a ceia, uma das quase dez travessas que vão à mesa na noite mágica em que saímos do Egito para a liberdade. Este pré culinário, eu nunca havia feito. Minha mãe fazia para mim, ou então, eu comprava pronto. Mas este ano resolvi aprender. Foram duas tentativas. Na primeira, que me tomou toda a manhã de um belo dia, a produção foi parar no lixo. A segunda tentativa foi hoje.

A prática aparentava ser simples: levar ao forno pedacinhos de matzá misturados no ovo batido até que ficassem secos, a ponto de serem cozidos no dia da ceia sem se desmancharem. Guardo na lembrança a imagem da minha mãe ocupada assando os caquinhos no ovo e a lembrança do som que eles produziam ao serem revirados no tabuleiro para que não grudassem. Isso se repetia a cada ano, e eu jamais poderia imaginar o quanto esse ato tão prosaico continha tanto significado.

Lá fui eu na minha segunda tentativa, desta vez, acompanhada de uma receita adicional com instruções mais precisas para que o resultado não fracassasse como na primeira vez. E foi assim que na intuição, na observação e na imaginação, eu passei horas assando os meus cacos, coisa que a minha mãe fazia em questão de uma hora. Hoje, se eu fosse relatar as virtudes da minha mãe, eu não falaria dos seus atributos de generosidade e bondade, mas sim dessa ação que ela realizava com tanta maestria.

A segunda receita dizia: secar ao sol. E foi o que fiz. Após longo tempo de forno, deixei meus cacos dourados expostos ao opaco sol de outono. Pareciam piritas cintilantes. Pontinhos de luz. Pela primeira vez, depois de tantos períodos de Pessach, hoje eu vi a possibilidade de uma ação tão banal conter tanta santidade.

Se eu fosse cantar o Daieinu para a minha mãe, eu começaria assim: "Se você tivesse feito só o ferfel, Daieinu, já nos bastaria."

Mãe, esse pré ferfel que fiz hoje, é em sua homenagem.